terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Raiva

Trinca os dentes
Morde os lábios
Crava as unhas
Na palma da mão

Arranca os cabelos
Esfrega o rosto
Bufa e geme
De indigestão

Soca as paredes
Chuta o balde
Joga a toalha
E perde a razão

Olha-te no espelho
Não te reconheces?
Parte-te em mil cacos
Pela própria mão

Querer

Todo aquele meu querer
Que por ti, escondido, nutria
Quero hoje esconder
Enterrá-lo morto, desnutrido

Nevasca

Parca nevasca
Soprava bravatas
Alva assentadas
Brandas na praça

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mendigos

Era tal o esgar
E feições torcidas
Do sôfrego maltrapilho
Que seu desafeto
O exultante mendigo
Desatou-se a rir

Ria e gargalhava
Do outro que infartava

No fim
Um bateu as botas
Deixando este mundo de merda
E o outro tinha as calças
Recheadas de merda

domingo, 11 de dezembro de 2011

Vociferações

Caminhando pela beira das olheiras
Vi o sol natimorto
Enterrar-se no horizonte
Das desilusões
Donde flores partidas
Chegavam-me regurgitadas
Por manadas agridoces
Sabor de foice
Emanada da garrafa
Cujo gênio vociferava
Contra as regalias
Das recatadas regatas
Que a noite encerrava

Def: Poesia

Gênero literário
Em que leitura
Equivale a escrita
E onde escrita
Supera leitura
Em tudo

Livraria

Empoleirados nas estantes
Em espaços exíguos
Milhares de livros
Lutando uns contra os outros
Por sua sobrevivência
E disseminação

Com cores exuberantes
Em capas vistosas
Chamarizes para incautos
Olhos tenros e apetitosos
A quem suas idéias contidas
Da prisão da ignorância
Livraria

Mas os olhos correm ligeiros
E os ouvidos estão atentos
A todo o caro e sedutor
Ambiente áudio-visual
E às paqueras de ocasião
E às conversas no café
Com comadres de adulação

Empoeirados nas estantes
Apesar dos esforços
Observam mudos e consternados
Serem ignorados pela ignorância
E ao progresso da barbárie

sábado, 10 de dezembro de 2011

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Tal qual

No espaço
De meus passos
Em outro
Compasso
Refaço teus
Percalços
A pés
Descalços
Pai

Luta

Seus músculos retesados
Em frangalhos
Após descomunal esforço
Em suprir felicidade
Ao público carniceiro
Não lhes bastando
Sangue
Ofereceu-lhes
Cansaço

Conquistou-os
Com derrota

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Desassossego

É quando desço a escadaria
De meu velho castelo
Com pés desnudos
Contra o mármore frio
Apressando o passo
Por delgadas curvas
Fugindo das sombras
Às minhas costas
Tremulando ao vento
A entrar pela porta
Aberta à escuridão
É nessa hora que acordo
E me vejo só

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Poço

Após desesperada descida forçada
Cheguei enfim ao fim
O fundo do lugar-comum
Poço escuro de idéias descartadas
E mediocridades atoladas

Pensei que não poderia ir mais fundo
Porém a cada passo
A colossal lama de excrementos
Me puxava e sugava
Ávida por idéias frescas

O torvelinho de argumentos e disparates
Arrastava-me cada vez mais
Quanto mais me debatia
Mais encalhada e emporcalhada
Me fazia

Foi no limite de minhas forças
Que dei-me por vencida
A sujeira perdeu o interesse
Não mais puxava-me para as profundezas
E pude subir de volta

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Diálogos Insólitos II

-- Ninguém mais lê!
-- Eu não sou ninguém, eu sou eu. Se você é ninguém, é problema seu, não meu.

Sonhos

Esta noite tive um sonho
Sonhei que as pessoas sonhavam
Acordadas
Seus sonhos eram tangíveis
E esbarravam nos sonhos de outros
Jardins de coloridas vaginas
Inundados por mares de chocolate
Pôneis e fadas saltitantes
Caçados por ogros e dragões
Um pesadelo
Feito dos melhores sonhos
Acordei
E vi pessoas caminhando na rua
Dormindo

Poeta-mor

O maior poeta
Que jamais viveu
Jamais viveu

sábado, 19 de novembro de 2011

Predileções

Favorito entre favoritos
Meu passatempo predileto
Assistir a meus inimigos
Se esmerando em tomar no reto

Partilha

Cravo meus dedos nessa terra
Com vigor arranco-lhe um naco
Um ato de puro egoísmo
Selvagem e feral
Porém desse meu pedaço
Brotará a esperança
Quando nada mais sobrar

Amanhã

O amanhã chegou
Espiei pela fresta da janela
É igualzinho a ontem
Exceto por ser hoje

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Chacal

O chacal está à espreita
A lua crescente nos olhos
Sons abafados no solo
Patas felpudas ligeiras
Expectativa
Orelhas longas de pé
Nariz esbaforido
Olhos fixos no terror
O rugido crescente da morte
Inevitável

Decepção
Devia ter se adiantado
Do coelho só restou
Carcaça esmagada
Contra trilhas de pneus

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Transcendental

Apreciar um bom chá
Após seu delicado preparo
Ao som do farfalhar do mato

Sorver cada gole
Sem pressa ou sede
Sentada com pés no solo

Pensando no nada
Pesarosa por nada
Precisando de nada

Nada que acaba
Termina sofrimento
Finda vidas
A cada gole

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Cenas urbanas: escada

Mulher
Não sobe
Nem desce
Conversa
Com a própria mão
Apoiada
No corrimão

Recanto

As latinhas empilhadas
de cerveja
Num canto

A louça empilhada
E encardida
Noutro canto

Agruras empilhadas
Sobre seus ombros
Em seu recanto

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Jornada

Galgava paixões
Escalava amores
Em busca da felicidade

Não se deu conta
Dos galhos e caules partidos
Que deixava em seu rastro

Tudo e Nada

Tudo o que escrevo
É nada
Sem ti
A sentir

Conjugado

Naquele conjugado
Exercitava sua habilidade
Extra-conjugal
Conjugando verbos
Em outras pessoas
Em tempos
Curtos

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Chuva

Guarda-chuva em punho
Empurro passantes pela avenida
Torrente de gente
No balé da vida
Pingando moedas
Nos caixas de lojas
Escoando consumo
Sob abóbada cinzenta

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Fortunato

O velhinho balbuciou algo inaudível
Ironizava o próprio nome
Fortunato

A fortuna nunca lhe viera
Tampouco a boa sorte

Mas ali estava ele vitorioso
Cirurgia foi bem sucedida
Para luta de toda uma vida

Mal podia acreditar
Até correr os olhos
Pela conta

O peito ardeu arfante
Ao se dar conta
Da sorte da morte

sábado, 5 de novembro de 2011

terrorismo

No ônibus, o terrorista aproximou-se e sequestrou e torturou vários narizes. Exigia de resgate trocados ou compaixão. Pelos fundos, alguém tomou a iniciativa e atirou 4 moedas porta do ônibus afora; o cadavérico terrorista seguindo em rápida fuga.  As narinas foram libertas, as janelas abertas e todos puderam respirar aliviados após o malfadado e malcheiroso episódio de violência urbana.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

perguntas

Tinha pavor a perguntas

Assistira impotente a execução
De muitos companheiros de guerra
Durante interrogatórios prolongados

Sobreviveu a elas
Fazendo-se de surdo

Choviam ao seu redor
Causando destruição maciça
Enquanto assobiava

Deixou toda a loucura para trás
E formou família

Já velhinho
Foi fuzilado
Pelo insistente netinho
A lhe perguntar
Como assobiar

inatividade

Tomado por súbita fúria
Cessou por completo as atividades

Começando pelas extra-curriculares
Então as sociais
E as econômicas
Logo as familiares
E as de lazer
Por fim as digestivas
E as cardio-respiratórias

Queria provar ao mundo
Pela contundência do silêncio
Que podia ser um lugar melhor
Sem idiotas gritando

O mundo não ouviu
Seu gênio
Ou ausência

fungo

Fustigado pela saudade
Dobrou-se ao meio
Partiu-se em dois
Espancou-se até
Não sobrar nenhum
Reduzido a pó
Enterrou-se em um canto
Obscuro da mente
Umedecido por lágrimas
E suor da rotina
Brotou-se fungo
Alimentando-se do velho cadáver
Almejando ser flor
E alimentar novo amor

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

nada

Sento-me à espera
Do nada

O nada que nos envolve
Nos embala em canções
O nada que nos ri
Nos veste de orgulho
Nos enleva do fracasso

Do nada
Que nos tira tudo
Do nada

O nada que nos espera

Obrigado
De nada

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

represa

Expresso aqui
Meu desgosto
Para com
Expressos
Mau gostos
De rostos
Repressos

Achaduras da alma

Alma partida
Quebrada em mil pedaços
Filigranas doloridas
Retorcidas com estrondo
Explosão que me pariu

Redescobri-me aos poucos
Catando minhas dores
Em facetas escondidas
Agora à mostra
Grifadas por rachaduras

Achados da alma
Que ainda perdura

comentarista inspirado

O inspirado comentarista
Comentava sobre tudo
Tudo o inspirava
A comentar
Sobretudo
O que o inspirava
A inspirar
Mais forte
O ar

velório

Sombras consternadas
Assistem caladas
À consumação
Da luz em nada
Pelo inflamado ego
Da vela deformada

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

silêncio

Na madrugada calada
Não se ouvem gemidos
Não se ouvem gritos
Não se ouvem lamentos
Não se ouvem reclamações
Não se ouvem mentiras
Sussurados para travesseiros
Assistidos por janelas fechadas

domingo, 30 de outubro de 2011

Respostas

Perguntaram-me o que eu queria
Da vida

Respondi que queria
Uma resposta

O que ela quer de mim?

hábito saudável

uma mão
lavava
outra mão

terminado
pediu
sua justa
retribuição

ao invés
de lavar-lhe
com sabão

meteu-se a outra mão
no bolso
e deu-lhe um tostão
encardido

palco da vida

Eu via o mundo
Como Gagarin
Um jóia rara
Solta no espaço
Do bolso de ninguém

Daquela altura caí
E entendi
A solidez
E sordidez
Do mundo

O sol ilumina
O palco da vida
Que floresce festiva
Em eterno bailar
Das criaturas
A se matar

Máscaras
Mimesis
Dissimulação
Artimanhas
Para o público
Abocanhar

Nunca curti teatro
Gosto de jogos
Lúdicas atividades
Separadas como
Música e poesia

Esse mundo não é pra mim
Ao invés de me adaptar
E mudar de cor
Pintei meu mundo
Com cores novas
Que criei

sentimento

Aqui, agora
Sinto o aroma
Do poema
Que me clama

Aqui, agora
Sinto a claridade
Do sorriso
Que me invade

Aqui, agora
Sinto o farfalhar
De palavras
A se espalhar

Aqui, agora
Sinto a tensão
Da corda
No coração

telepata

Lia pensamentos
Sentia-se abençoado
Mas em pouco tempo
Sentiu-se atormentado

Toda aquela mágoa
Todo temor e ódio
Nem o amor enxágua
Nem dissolvido em óleo

Sujo e maltrapilho
Mudava de canal
O mesmo vazio
Estática sem sal

Espiou lá fora
Um dia de alegria
De si estando fora
Duvidava que via

Em seu alheamento
A razão perdeu
Perdido em pensamentos
Alheios aos seus

Incapaz de conter
Leitura mental
Poesia foi ler
Ficou muito mal

clímax

o clímax apoteótico no teatro era o princípio do clímax apoteótico na cama

sábado, 29 de outubro de 2011

diálogos insólitos I

-- Leva isso e joga lá no lixo! Ó, até rimou!

-- Você não ri mais!

...

-- ahahahahahaha...

fábula de sobrevivência

Mamãe ovelha ensinava
Em idos anos e terras:
"Comerás somente desta grama"
E a ovelhinha cresceu saudável

Infelizmente
No mundo lá fora
Era rara essa grama
E para não definhar
Ou enlouquecer de fome
Até a morte levar

Passou a comer grana

Ficou inchada de gorda
E de terrível aspecto
Enegrecido

Mas velou por cada familiar

gostos

a triste lagartixa
bem que tentou

em desespero
ofereceu-lhe o rabo

mas o bichano
não era chegado

sem regras

gatos são proibidos
pelas regras do condomínio

a senhoria
disse-me para comprar
um de pelúcia

disse-lhe que de pelúcia
só gosto e compro
boceta vadia

carroça

Cansado da chibata
E da estrada batida
Abatido com a ingratidão
E das chagas e feridas
Sofridas à exaustão

Burro de carga
Zuou e coiceou
Até se livrar da carroça

Sua viseira caiu
Nos olhos de seu captor
Que na estrada prosseguiu
Bufando de raiva

Enquanto o burro de outrora
Por vastos campos pastava
Muito além da velha roça

busca infrutífera

Procurou no mundo inteiro
O que julgava perdido
Dentro de si

Nada encontrou
Nunca houvera perdido
Aquilo que nunca teve

insone

na cama
irriquieta
giro para um lado
giro para o outro
não encontro
o sono
ou você

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Senador II

Embaladas com arrojo
Em dourado estojo
Em comemoração a 20 anos
No poder
O senador
Desembrulhou-as ansioso
E comeu-as com tal voracidade
Que, farto de bocetas
A foder
Infartou

Senador I

O velho senador
Fazia merdas homéricas
Fodia com conhecidos e desconhecidos
Esbanjava grana e bom humor
Roubados

Era bem recatado porém
Na vida pública

via sacra

Vários desconhecidos
Seguiam viagem juntos
Não se olhavam
Não se viam
Mas era intenso
E silencioso
O falatório no ar
Em orações trocadas
Com desconhecidos
Vivendo no além

acuada

do fundo de sua jaula
acuada cutucava
os passantes
com seu olhar
faiscante
de onça-pintada

café

bebendo café
dei-me conta
o amargor acorda
o doce sonha
de pé

gado

o gado mugia
cagava e bramia
pois o pasto acabara
e flores não comia

flutuação monetária

Um dia caí
Na lama dos porcos
Que davam-me risos
Em sorrisos bestiais

Um amigo
Ofereceu-me de pronto
Sua mão

Anos depois
Paguei-lhe
Com dadivoso silêncio
E de juros
Uma salva de palmas
Ao fim da apresentação

gozo

Aplaudia efusivamente
A platéia
O fim do espetáculo

Podia finalmente
Manifestar sua barulheira
E gemer em casa

nota cultural

a vida precisa ser mais do que apenas comer, foder e cagar

frígida de poesia

A mulher frígida e amarga
Em sua infância sofrida
Foi estuprada
Pela poesia

Sussurava em seus ouvidos
Tenras palavras de amor
Enquanto enterrava bem lá no fundo
Imagens de irreal esplendor
Jamais vividos

Hoje não suporta
Homens chorando
Em versos

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

fome de renome

Costumava distribuir pães
Para famintos aflitos

Meticulosamente preparava a massa
Assava até dourar a vista
E feliz se punha a salvar vidas

Quem comia pedia mais
Sem se importar com outros
E nunca agradecia
Quem não comia via a cena
E secretamente se mordia
Do exibido palhaço
Que se promovia
E não dava pedaço

Cansou

Hoje distribui pedradas
Igualmente
A quem quer e a quem não quer

Não ouve mais reclamações

Fodam-se os famintos

verdades doloridas

jamais consegui agradar a quem quer que fosse
mesmo ao insistente mosquito à noite
ele ao menos não desistiu de mim

mundo imundo

Ê, mundão!
Abri minha janela
Fui tragada para dentro
De tua incoerente mesmice

De nada adiantou
Tapar os ouvidos
A boca e os olhos
Entrou-me pelo reto

De onde jamais devias ter saído!

assuntos proibidos

amor rima com dor
e rimas são constructos grotescos
alicerces frágeis de mentes
ocas de expressividade
aprisionando idéias a arabescos
superficialmente belos
mas dementes

portanto
não me fale
de amor ou de dor
falemos de tudo
e de nada

carvão

minha alma queimada
virou carvão
pego um pedaço
e neste espaço
redesenho-me à mão